terça-feira, 27 de setembro de 2011

O poder do falso


Nietzsche dizia que a Arte é o poder do falso, a santificação da mentira, a que torna sublime o erro e faz da vontade de enganar o ideal superior. Para o filósofo, o artista enxerga o trágico e, por isso, inventa uma nova possibilidade de vida, reinventa a “verdade”.
Lembrei-me deste assunto das aulas de Filosofia da Escola de Cinema quando um amigo veio me contar sobre sua última desventura amorosa.
Maurício – nome fictício, vocês já sabem – estava saindo com um cara que conheceu pelo Facebook. Era o tipo pop star, com mais de 4 mil amigos adicionados no perfil, centenas de fotos de momentos felizes, e mais uma legião de fãs que comentavam pontualmente qualquer besteira do tipo “vou ali e já volto” que ele postava nas atualizações. Sem falar do álbum batizado de “me, mylself and I” onde ele exibia vários momentos narcisistas entre ele, um espelho e um celular com câmera digital. Maurício, que também fazia parte do fã clube do rapaz, foi contemplado com a sorte de conhecer o ídolo. Marcaram um encontro numa boate, ficaram juntos naquela noite e logo engataram num namoro.
Daí veio o choque de realidade. Ao conhecer a vida do pop star facebookiano de perto, Maurício percebeu que tudo não passava de um grande engodo. As fotos nas praias cariocas, nas boates caras e nas festinhas em apartamentos amplos da zona sul, exibindo roupas de grife em companhia de gente bonita e sarada, estava muito distante da realidade cotidiana do rapaz. Era tudo fake. O pop star morava numa área carente da Baixada Fluminense bem longe daquelas praias, num apartamento humilde com poucos móveis e equipamentos – que ele relutou em apresentar a Maurício por vergonha – e trabalhava como assistente administrativo em uma firma pequena. O salário mal dava para pagar o aluguel e as contas básicas, a geladeira vivia vazia e o cartão de crédito estava estourado por causa das compras em lojas de grifes e baladas, das quais ele não abria mão.
Não demorou muito tempo e Maurício o largou, obviamente. Não pensem que Mauricio é um oportunista interesseiro. Apesar do perfil ostentoso do rapaz no Facebook tê-lo atraído fortemente, Maurício não se importou com o fato de ele ser pobre, mas sim com a falsa realidade que ele criou em torno de si. O pior de tudo, segundo Mauricio, era a visível solidão do rapaz. Aquele milhão de amigos era apenas virtual e nenhum o procurava de verdade , ou seja, a vida real do pop star era completamente diferente do que aparentava. E ele parecia não querer se livrar dessa ilusão, estava completamente preso a ela.
Aí eu retorno para Nietzsche e o poder do falso. Perdoem-me os artistas dionísicos pela comparação um tanto baixa, mas pessoas como o ex-namorado de Mauricio são os grandes inventores da realidade nos dias de hoje. O Facebook se tornou uma tela onde pseudo-artistas desesperados por um momento de fama gastam seu tempo na construção de personagens e cenários totalmente enganosos que, na verdade, servem apenas para encobrir suas tragédias pessoais e suprir suas carências. Ali naquele espaço virtual todos são belos, felizes e vitoriosos. Todos são merecedores de atenção.
Gays, pelo que eu observo, costumam colorir ainda mais os seus quadros. São perfeitos na arte do exibicionismo e da auto-exaltação. Em parte para corresponder às expectativas do meio em que vivem, imbuído de valores fúteis, ligados à aparência, a roupa que se veste, a um belo corpo, ao lugar onde se mora ou para onde se viaja e ao status social. E em parte, talvez, para terem maior aceitação e se sentirem melhor numa sociedade que tanto os segrega e discrimina.
De qualquer forma, depois de construída esta realidade falsa, se torna muito difícil mantê-la externa e internamente. É um suprimento temporário para a felicidade, que deveria ser buscado de outras formas, pois depois que o computador é desligado, o que fica é a vida real e um sentimento ainda maior de vazio e solidão.
Então, o que é melhor: sermos nós mesmos ou uma imagem?

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